Esse é apenas o primeiro post de uma série de reflexões que quero trazer sobre o impacto dos vídeos curtos e conteúdos rápidos no mundo atual. Decidi juntar alguns anseios com as últimas polêmicas sobre o "Aplicativo Vizinho" num post para refletirmos e questionarmos o que estamos consumindo no momento e onde isso vai parar. Antes de tudo, não estou aqui para vilanizar o TikTok.
Desde o primeiro semestre de 2020 vimos uma onda nova surgir e começamos a surfar nela. Trancados dentro de casa, tempo ocioso e uma plataforma cheia de ideias, trends, dancinhas e gracinhas pra passar o tempo, nos pegamos aprendendo um passo de dança, uma receita rapidinha, fácil e gostosa ou, até mesmo, fazendo uma dublagem - ou, convenhamos, apenas assistindo incansavelmente tudo isso ali pela timeline. Enfrentando uma pandemia, na qual os meios de comunicação noticiava apenas desgraças - mortes, aumentos de casos, novas variantes, desgoverno - nos distrairmos com um conteúdos rápidos em um app novo não parecia uma ideia ruim, e de fato não era, entretanto, não fazíamos ideia que em pouco tempo, isso tudo mudaria nossa forma de consumirmos conteúdo online.
Quem não lembra do hit Say So da Doja Cat que praticamente inaugurou os trabalhos e ascensão dos artistas no app em 2020?
Já não é de hoje que vários artistas estão comentando sobre o desconforto com tal plataforma. Infelizmente, esses artistas, de grandes gravadoras, tem enfrentado a necessidade de ter um viral antes de qualquer lançamento, pois justificaria o investimento da gravadora no seu trabalho, excluindo completamente outros meios de comunicação que poderia impulsionar o seu trabalho.
No último 23 de maio, Halsey usou sua conta no aplicativo em questão para expor toda a situação que ela vem vivendo dentro da Capital Music Group, sua gravadora. Atualmente, em turnê, divulgando seu último álbum de estúdio, If I Cant Have Love, I Want Power, a cantora e compositora gostaria de continuar lançando novas canções, e então começou a produzir novas faixas com produtores relevantes do meio, sem contar que a gravadora colocaria uma pedra em seu caminho para esses lançamentos. Segundo Halsey, ela produziu uma música com o Max Martin e a gravadora não gostou do que ela apresentou previamente, então, sendo assim, ela voltou em estúdio com o produtor e regravou a faixa em uma versão mais pop, contando em agradar a gravadora e consequentemente a sí, conseguindo ter a canção lançada e no seu repertório. Porém, mesmo assim, com essa mudança, a gravadora não ficou satisfeita para lançar o projeto, e deixou claro o desejo de que a cantora criasse um efeito viral no TikTok, para ajudar a impulsionar tal canção, e assim ela poder ser lançada - mesmo a cantora já tendo todo o material de divulgação prontos, como photoshots, capa e até mesmo um videoclip - ignorando completamente sua majestosa carreia de mais de 8 anos e mais de 165 milhões de vendas dos seus trabalhos.
O que Halsey não contava, é que ironicamente, este vídeo se tornaria um viral no aplicativo, despertando a necessidade de outros artistas do meio em expor o outro lado das gravadoras por conta de novas plataformas.
Se você acompanha cultura pop, viu de perto isso acontecer no último lançamento da Anitta: um álbum que foi "cozido" por mais de 2 anos, e que só foi de fato lançado após o viral mundial de Envolver, que levou a cantora a ter o seu primeiro número um mundial no Spotify, impulsionado pelo chamado "El Passo De Anitta", no TikTok. Isso nos leva a refletir o óbvio, que Anitta, assim como Halsey, é uma artista que atinge pessoas também, senão, principalmente, através de outros meios de comunicação, e limitar o bom desempenho de o trabalho de ambas, grandes artistas, a apenas uma plataforma, é muito frustrante pra elas.
Vale salientar que as músicas podem surgir organicamente no aplicativo, mesmo que esteja fora do mainstreaming por décadas. Ademais, os profissionais de marketing podem também contratar influenciadores para ajudar uma música a decolar, provocando uma onda de postagens geradas por usuários que são relevantes, criando assim uma nova forma de manipular o público a consumir um determinado trabalho.
Outro fato, é a percepção de pessoas famosas que sempre foram fora da bolha digital, sendo obrigados pelos seus selos a irem para essas plataformas, para conseguirem manter um pouco mais de tempo, seus contratos. Um exemplo disso, são os integrantes da banda de pop punk, que ficou famosa nos anos 2000, Tokio Hotel, que não ficaram satisfeitos com a migração para o aplicativo de vídeos curtos, e a utilizou para mandar indiretas para sua gravadora, deixando seus seguidores com a pulga atrás da orelha sobre estarem sendo obrigados a criarem conteúdo por lá.
Charli XCX também é um exemplo de artista que está insatisfeita com a imposição da sua gravadora, Atlantic Records, em relação ao lançamento do seu último álbum, Crash. A cantora e produtora postou uma selfie em suas redes sociais, com cara de cansada e olhos quase revirados dizendo as seguintes palavras: "minha gravadora quer que eu grave meu 8° vídeo do TikTok para esta semana".
Adele foi outra artista que falou explicitamente sobre o assunto durante uma entrevista, alegando que sua gravadora gostaria que ela fizesse músicas mais "TikTok Friendly" mas ela se recusou a fazer, declarando que quase ninguém está fazendo músicas para o público que ela cresceu, os milleninals, e optou por continuar a divulgação de seus trabalhos de formas mais convencionais e usuais na mídia da década passada.
Outra artista que também vem sofrendo bastante com sua carreira na era digital é Zara Larsson. Recentemente a cantora sueca usou o Twitter para falar que sua equipe comemoraria com champanhe o fato dela ter postado três novos vídeos em seu TikTok, dando a entender que era uma meta deles torná-la relevante na plataforma para continuar lançando seus projetos.
"É verdade que todas as editoras pedem TikToks e eu fui repreendida hoje por não me esforçar o suficiente", disse FKA Twigs em um vídeo no próprio app.
Florence Welch também apareceu em sua conta no aplicativo pedindo ajuda aos fãs para a seguí-la, aumentando assim o engajamento do seu trabalho, pois sua gravadora estava cobrando sua presença no app. Verdadeiramente, Florence é a última pessoa que você imaginaria no TikTok, e é triste vermos uma artista de grande magnitude com carreira consolidada e trabalhos de elite, tendo que sucumbir de forma forçada para conseguir manter o planejamento de lançamento de um projeto e até mesmo um contrato.
Por outro lado preciso enfatizar a ascensão dos artistas independentes, que conseguiram através do TikTok, uma possibilidade de condensar público de maneira fácil e acessível, de maneira que ouçam suas músicas em outras plataformas, refletindo de maneira positiva na promoção dos seus trabalhos. Já parou para pensar e contar quantos artistas novos surgiram ou ganharam o mainstreaming no aplicativo?
A dúvida que fica é que se hoje em dia é tudo sobre viralizar e/ou virar trend no TikTok, já que é notável a caminhada artística para outro patamar, no qual, as músicas são feitas e produzidas para encaixar num novo formato. Músicas rápidas, com poucas informações, batida e letra repetitiva, e na maioria das vezes, que fazem alusão à movimentos corporais extrínsecos para fazer sentido apenas por alguns segundos. E quando a produção foge disso, ela precisa de uma coreografia marcante afim de conquistar fãs e seguidores da plataforma a reproduzi-la, reverberando assim a canção, tornando-a relevante.
Vale ainda citar situações que colocam o artista em confronto com suas próprias obras, uma vez que a audiência que consome seu hit conhece apenas aquela canção em destaque e desinteressa pelo restante do seu material, assim como também, quando o que hita nas redes sociais é uma versão alternativa ou remixada produzidos pelos próprios usuários da rede. E aí vem vários questionamentos: como são os shows dessa galera? Como elas se apresentam? Vão viver apenas dessa música ou tentar novamente até outra também hitar? Quanto tempo vai durar esse hit?
A verdade é que o consumo rápido faz as coisas se tornarem mais passageiras do que são. Um hit que antes durava 3 meses, agora duram sei lá, 3 dias, porque depois já terá outro hit, outra trend e outro viral. Já se perguntou por que isso está acontecendo cada vez mais? E o porquê as gravadoras estão cobrando tantos os artistas? Será que eles são os culpados? Os mocinhos? Ou estão apenas seguindo um ritmo? Ainda não sei a resposta, mas é fato
que as musicas que são tendências nos apps, geralmente acabam aparecendo no Billboard Hot100 e/ou no Viral 50 Spotify. Ainda sim há uma pesquisa da MRC Data que comprova que 67% dos usuários do TikTok são mais propensos a procurar músicas nos streamings depois de ouví-las no aplicativo.
A absorção de público rápido é caótico, mas temos que levar em consideração que a culpa não é apenas da gravadora, afinal, o TikTok é feito de algoritmo que reflete um hábito humano. Por sua vez, as gravadoras visam números, e números são o que as trends trazem. Com isso, podemos dizer que a culpa não é totalmente dessas plataformas, uma vez que os nossos hábitos influenciaram nessas mudanças, e se não adaptarmos, nos tornaremos obsoletos.
É triste, mas é reflexão.
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